segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

29 de Janeiro: Dia da Visibilidade Trans


Diego todos os dias sai de casa com medo. Medos: no plural! Medo de ser ofendido na rua por desconhecidos, como tantas vezes já aconteceu. Medo de passar por mais um constrangimento pelo professor ou professora ao chama-lo pelo nome de registro durante a aula. Medo de mais uma vez aquele rapaz que se mostra interessado nele, depois que souber da sua transgeneridade, se afastar do nada, ou até algo pior: lhe agredir. Diego vive todos os dias de sua existência com muita ansiedade pelo que pode vir a acontecer com ele, pelo simples fato de ser quem é. Essa é a realidade de muitas pessoas transgênero, transexuais e travestis no Brasil e no mundo.
Segundo a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em 2017 o Brasil registrou um número de 179 pessoas trans assassinadas, sendo que 95% destes assassinatos apresentaram requintes de crueldade (Fonte: UOL, 2018).
Mas afinal de contas, o que são pessoas trans e travestis? A literatura referente as identidades trans ressalta que transexualidade e travestilidade são experiências identitárias que produzem feminilidade (mulher trans/travesti) ou masculinidade (homem trans) em suas perfomatividades de gênero independentemente de seus corpos (PAIVA & FÉLIX-SILVA, 2014; BENTO, 2012). Sendo assim, segundo Bento (2012), tais identidades são caracterizadas pelo conflito com as normas de gênero estabelecidas sócio histórico e culturalmente como adequadas.
Estes conflitos podem ser tanto a discriminação e exclusão social associadas ao machismo, racismo e misoginia, como a própria transfobia, ou seja, atitudes discriminatórias e violentas direcionadas a pessoas transgênero, transexuais e travestis. Tais fenômenos, tem repercussões e consequências diretas no processo de adoecimento integral dessa população.
Em relação a dimensão biológica, as pessoas trans e travestis comumente demandam modificações corporais significativas, desde a administração de hormônios para o (re)construção de seus corpos, de forma a se sentirem mais congruentes com o gênero ao qual se identificam, até a realização de cirurgias transgenitalizadoras. No que se refere a dimensão psicológica, estes indivíduos podem apresentar altos indicies de quadros ansiógenos, depressivos e uso abusivo de álcool e outras drogas (SALES, LOPES & PERES, 2016; SAMPAIO & COELHO, 2013) desencadeados pela vulnerabilidade social gerada através das diversas formas de transfobia, muitas vezes sendo esta discriminação uma expressão de inautenticidade – conformismo ou totalitarismo – de quem a comete.
E o que a logoterapia e análise existencial frankliana teriam a ver com isso? Exatamente tudo. Compreender o ser humano dentro de uma ontologia tridimensional, ou seja, sendo constituído por suas dimensões biológica, psíquica e noética, relacionando-se integralmente com a esfera social, através da autotranscedência, é também considerar que os fatores supracitados podem incidir negativamente para o encontro com o sentido da vida destas pessoas, desencadeando um quadro denominado por Frankl (2008) de vazio existencial, tendo como principais sintomas as adicções, passividade/indiferença e sentimento de vazio interior (CARVALHO, 1993) que podem levar a violência e/ou suicídio.
Uma das pautas que o movimento trans e travesti reivindica atualmente, em conjunto com profissionais de saúde militantes da causa, é a despatologização de suas identidades, principalmente dentro do Processo Transexualizador do Sistema Único de Saúde, redefinido e ampliado em 2013 (BRASIL, 2013). Despatologizar se fazer necessário pois tais identidades não são expressões de um caráter desajustado ou doentio, mas sim uma das possíveis formas de se experienciar socialmente o gênero, aquilo que se atribui culturalmente como sendo masculino e/ou feminino, não se fixando a um suposto destino biológico que lê os corpos humanos como sendo corpos de macho ou fêmea. Minar desses sujeitos a autoafirmação de gênero, permitindo que tenham de se sujeitar a diagnósticos médicos para terem o direito de modificar seus corpos e retificar seus registros civis, é acima de tudo, negligenciar a sua liberdade interior, aquilo que marca as suas essências enquanto pessoas.
Estar atento e bem informado sobre a realidade vivenciada por pessoas transgênero, transexuais e travestis é primeiramente um compromisso ético diante do sofrimento do outro, um outro que é tão humano quanto eu e por isso digno de uma existência possível de significados. Que possamos nos afetar diante dessas realidades e exercer o que Lukas (1992) nomeia por valor de atitude generalizado, pensando em aplicações práticas da logoterapia no setor da saúde, educação, assistência social, dentre outros, que ofereçam subsídios suficientes para a conquista de direitos básicos e o encontro com o sentido da vida destas pessoas.

Pedro Augusto Lima Monteiro
Graduando em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba e membro da Comissão de Mídia e Divulgação do Núcleo Viktor Frankl.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENTO, B. O que é transexualidade. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 2012.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministério. Portaria Nº 2.803, de 19 de novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde (SUS). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html>.

CARVALHO, J. M. R. de. O vazio existencial e o sentido da vida. Inform. Psiq., v. 12, n. 3, p. 111-115, 1993.

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Traduzido por Walter O. Schlupp e Carlos C. Aveline. 25. ed. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2008.

LUKAS, E. Prevenção psicológica: a prevenção de crises e proteção do mundo interior do ponto de vista da Logoterapia. Petrópolis: Editora Vozes, 1992.

PAIVA, A. L. dos S. & FÉLIX-SILVA, A. V. Produção protética dos corpos: experiências TRANS e políticas de saúde. Revista Ártemis, v. 17, nº 1, p. 251-263, 2014.

SALES, A.; LOPES, H. P. & PERES, W. S. Despatologizando as travestilidades e transexualidades. Periódicus, v. 1, nº 5, 2016, p. 56-72.

SAMPAIO, L. L. P. & COELHO, M. T. A. D. A transexualidade na atualidade: discurso científico, político e histórias de vida. In: Anais do III Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades. Salvador: UNEB, 2013.


UOL. Brasil lidera ranking de mortes de travestis e trans; um é morto a cada 48h. Disponível em: https://estilo.uol.com.br/comportamento/noticias/redacao/2018/01/09/brasil-lidera-ranking-de-mortes-de-travestis-e-trans-um-e-morto-a-cada-48h.htm